domingo, 5 de agosto de 2012

Do Quem Sou Eu?

"Mas quem era eu de fato? Sou obrigado a repetir: eu era aquele que tinha muitas caras.

Durante as reuniões, era sério, entusiasta e convicto; desenvolto e provocador em companhia dos colegas; laboriosamente cínico e sofisticado com Marketa; e, quando estava só (quando pensava em Marketa), era humilde e encabulado como um colegial.

Essa última cara seria a verdadeira?

Não. Todas eram verdaderiras: eu não tinha, a exemplo dos hipócritas, uma cara autêntica e outras falsas. Tinha muitas caras porque era moço e porque não sabia eu mesmo quem era e quem queria ser. (No entanto, a desproporção existente entre todas essas caras me dava medo; a nenhuma delas aderia por completo e por trás delas evoluía desajeitado, às cegas.)

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DA IMAGEM

Comecei a compreender que não havia nenhum meio de retificar a imagem da minha pessoa, desqualificada por um tribunal supremo dos destinos humanos; compreendi que essa imagem (por menos que se parecesse comigo) era infinitamente mais real do que eu mesmo; que ela não era de maneira alguma minha sombra, mas que eu é que era a sombra da minha imagem; que não era possível acusá-la de não se parecer comigo, mas que era eu o culpado dessa falta de semelhança; e que essa falta de semelhança, enfim era minha cruz, uma cruz que eu não poderia passar a ninguém e que estava condenado a carregar.

Não obstante, não quis recapitular. Quis realmente carregar minha dessemelhança: continuava a ser aquele que haviam decidido que eu não era.

A Brincadeira - Milan Kundera

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